Gambozinos *

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro


1. Já uma vez falei aqui de um truque narrativo usado pelo grande Alfred Hitchcock, truque a que ele chamava MacGuffin.

Um MacGuffin num filme serve para aumentar o interesse do espectador e tanto pode ser um objecto (umas luvas de mulher, em “Chantagem”, um colar, em “Vertigo”), 
como pode ser uma canção (“Que sera, sera”, cantada por Doris Day em “O Homem Que Sabia Demais”), como pode ser uma pergunta (porque é que as gaivotas começaram a atacar os humanos, em “Pássaros”?)

Um MacGuffin é um “engodo” metido no enredo, é um “nada”, ou, traduzido para bom português, é um “gambozino”. O facto é que um MacGuffin-gambozino faz-nos ficar agarrados, do princípio ao fim, a uma “narrativa”.


2. O ministro Relvas tem sentido da “narrativa”, é um bom criador de gambozinos e, em menos de dez anos, já conseguiu prantar dois no país autárquico:

— em 2003 foi a dita “Reforma Relvas”, uma “regionalização” que me causou a mais severa indigestão dos meus oito anos de autarca, quando tive que engolir um sapo numa sessão da câmara de Viseu, e votar a favor da putativa “Grande Área Metropolitana de Viseu”, um gambozino “urbano” que ia dos lameiros de Tarouca às vinhas de Castendo;

— esta semana a assembleia municipal de Viseu aprovou a agregação de freguesias; graças à união do Coração de Jesus, com Santa Maria e com S. José, o futuro “mega-presidente-da-junta” deste gambozino, mesmo recebendo dois mil euros por mês, lá terá de ir como os outros, de chapéu na mão, ao gabinete do presidente da câmara para poder ter uma ou outra obrazita. Espera-se que esta “Grande Freguesia Urbana de Viseu” venha a ter o mesmo destino que teve a “Grande Área Metropolitana de Viseu”.

E espera-se ainda que este tenha sido o último gambozino do ministro Relvas, por cessação definitiva da sua prodigiosa carreira governativa.

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