Elegia (Saudade)

Fotografia de Stephan Vanfleteren



Hoje é um dia de perfeito Verão. Já nele vejo,
com a dor de não querer ver, coisas de Outono
quedas e melancolias, preparações do fim.
É por vezes em esplendor que as durações terminam
- crepúsculos, vindimas e bem-aventuranças.
Mas hoje ainda é Julho e dia de Verão
não queria ver a água tão limpa deste tanque
tocada pelas folhas que a vide já perdeu.
Não queria ver ainda, mas a alma mesmo cega
por distracções diurnas e brilhos mensageiros
não deixa de guardar em cofre o que não viu
para um momento exacto de silêncio e solidão.

Hoje é dia de Julho mas são coisas de Outubro
que já nele vaticinam melancolia e fim.
Não queria ver ainda este voo de andorinhas
caindo para sul - elas são chamadas a desaparecer.
Também este sossego no pátio das traseiras
ainda não o queria ver - aí já morrem pétalas
dos vasos das hortênsias. Frutos não colhidos
apodrecem pelo chão - ameixas de Julho
lançadas a Novembro. E tu, com a beleza
que o Verão concede ao corpo: não queria ver ainda
essa expressão furtiva de quem se desengana
e entrega ao desamor. E no entanto é isso:
já cedo anoitece em províncias do teu rosto.

Hoje é dia de verão. Pudesse eu percebê-lo
sem os declínios e as forças sombreantes
antes nesse esplendor em que as durações culminam
- crepúsculos, vindimas e bem-aventuranças.
Oh, deixemos a tristeza desta lúcida saudade
e vamos para o sol e os jardins cheios de gente
louvemos as bebidas tão frescas e os risos
o rumor da aragem nas tílias e nas bétulas
e os cortinados leves arfando nas janelas.
As raparigas brilham e os rapazes são de sempre
no perfeito verão do seu dia de calor.
Que importa reparar que a hora já rodou
e o meu corpo lança uma sombra sobre o teu?
Carlos Poças Falcão



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