Sísifo *

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro



Sísifo, de Ticiano Vecellio
Sísifo gostava de enganar os deuses, era tão esperto que nem com a chegada da “sua hora” se acomodou — quando foi abordado pela morte, ele gabou-lhe a beleza, envaideceu-a com mais de mil eloquentes e elevados elogios, «és-tão-bela-tão-bela-como-não-há-mais-nenhuma-e-tão-mais-bela-ficarias-com-este-colar-chega-te-cá-para-eu-to-pôr...»
Ela achegou-se e o colar, afinal, era uma coleira, e o ágil Sísifo amarrou bem amarrada a morte a um poste. E, então, em lado nenhum ninguém morria, isso fazia com que nas batalhas não houvesse vencedores nem vencidos, o mundo ficou ainda mais parado que os nossos tribunais, sem falecimentos, nem desfalecimentos, nem passamentos.


Os deuses, furiosos, lá tiveram que ir desprender a morte e levar-lhe a gadanha para ela fazer o seu mister. Sísifo, mais tarde, ainda ludibriaria a mafarrica outra vez, mas aqui essa volta já não se conta. Faça como eu fiz, caro leitor, wikipedie, aceda a esse saber instantâneo, escrito para nós gratuitamente por um formigueiro amável.

Deuses zangados significam castigo, já se sabe. E também se sabe que o astuto Sísifo tantas fez que acabou condenado para todo o sempre a acartar às costas um calhau monte acima. Chegado ao cimo daquela ingremeza, uma deusa chamada Gravidade faz rolar o calhau encosta abaixo até ao fundo do vale. E Sísifo outra vez e mais uma vez, lá tem que ir monte acima de calhau ao sofrido ombro.

Ora, não há nada debaixo dos céus que seja sempre bom, que seja sempre mau. Até Sísifo pode fazer uma pausa boa enquanto a pedra rola monte abaixo.

Ora, Sísifo, que com tanto sofrimento só pode ser português, depois da bancarrota de 2011 tem estado a acartar às costas o pesado calhau da austeridade monte acima.

Ora, pelo que se tem ouvido, no próximo eleiçoeiro ano, Sísifo vai poder folgar as costas. Tal qual como no suave ano de 2009, o calhau vai rolar cheio de facilidades monte abaixo.

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