Apagões *

* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente dez anos, em 5 de Novembro de 2004


1. Continua censura no ar. Há um mês, aqui em Viseu, Rui Gomes da Silva mostrou não saber o que é a liberdade de expressão. Após as palavras deste governante, foi apagada a voz de Marcelo Rebelo de Sousa, na TVI. Ainda não foi apontado o caminho da rua ao ministro e isso diz tudo acerca da irrelevância de Jorge Branco Sampaio.

Para já, a censura e a auto-censura têm-se virado para os sociais-democratas que não gostam de Santana Lopes. Deixo só mais um sinal desta autofagia: a coluna que o advogado social-democrata José António Barreiros publicava às sextas-feiras, no Diário de Notícias terminou. Apagou-se. Não vai haver mais. A última, do dia 29, continha uma frase a merecer reflexão: “Os leitores começam a saber ler nas entrelinhas.”

2. No dia 14 de Outubro, numas obras na Quinta do Bosque, alguém cortou um cabo, e houve um apagão de várias horas, ao longo da tarde e princípio da noite. Oito dias depois, também numas obras, foram cortados uns cabos da EDP e quase toda a cidade ficou outra vez sem energia, durante horas e horas. Numa semana dois apagões com a mesma causa: muitas obras, pouco cuidado. Começa a ser rotina. Velas em casa. Vernáculo na boca.

3. Fui ver Hotel Tomilho no dia do último apagão na cidade. Este espectáculo começou a uma hora agreste: oito e meia da noite. Hora estranha. Só para “militantes”, pensava eu, mas enganei-me. A casa estava cheia.

Chegado onde outrora foi a Casa Bionatura, entrei logo num turbilhão: uma actriz, a carregar nos erres, “prrroibiu-me” o telemóvel em que combinava com um amigo o pós espectáculo. 

Logo a seguir, um tipo com um uniforme indescritível meteu-me uma mala na mão. “Silêncio!”, “Sshhhttt!!!”, “Caluda!”, “Estamos num hotel!”. Heurística. Descoberta. Caminhar e achar, quarto a quarto, hotel fora.

A Liliana Garcia, na sua prosa clara, explicou tudo o que se passava em Hotel Tomilho aqui, na página 3 da edição do Jornal do Centro de 22 de Outubro, no exacto dia em que Viseu ficou às escuras.

4. Gostei muito do Hotel Tomilho. Foi um grande espectáculo.

Senti, contudo, uma frustação: não foi possível a interacção com os actores. Eu estava de maré; eles não.

Quis falar do complexo de Édipo com o actor “entrevado” numa cadeira de rodas e que fazia a personagem dum bastardo zangado com o mundo. Ele não me deu troco.

Disse ao ouvido da “cega” que percorria, táctil, o meu ombro e o meu rosto: “Tacto também quer dizer diplomacia.” Disse-lhe eu isso, baixinho. Mas ela prosseguiu vagarosamente o guião dos perfumes, dos sussurros e dos gestos. Dançou comigo. Não me deu troco.

Quando a taxidermista, a mulher embalsamadora, disse: “A vida é como um chupa-chupa: vai diminuindo até ficar só o pau.”, aí já eu tinha percebido as regras do jogo. Não dei réplica à actriz, já que sabia que não levava tréplica. Mas lembrei-me logo da frase de Herman José: “A vida é como os interruptores: umas vezes está para cima, outras vezes para baixo.” Prefiro esta última maneira de ver a vida. Dá mais esperança.

Quando cheguei a casa, virei o interruptor para cima e fez-se luz. O apagão tinha acabado.

5. Na França, desde o domingo passado e até 27 de Março, os carros passarão a andar de faróis ligados mesmo de dia.

Daqui

Ainda não é obrigatório andar em médios mas tal é recomendado vivamente pelas autoridades. Durante os cinco meses de inverno que vai durar esta experiência, as autoridades francesas pensam desta forma salvar 400 vidas.

A Finlândia, o Canadá e vários estados dos Estados Unidos da América vão mais longe e obrigam mesmo os automobilistas a circular em médios durante o dia. Os resultados são positivos, segundo diz o Le Figaro, de 30 de Outubro.

A nossa segurança rodoviária continua uma tragédia. Não seria bom acabar com o apagão nas nossas estradas da forma como fizeram agora os franceses?

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