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* Texto publicado no Jornal do Centro há exactamente 10 anos, em 14 de Janeiro de 2005.


O meu era o BI-97-16
1. Nos finais dos anos 70, princípios dos anos 80, tive um Ford Escort GT, um lindo carro vermelho com motor generoso. Não era um BMW 2002 (um dos carros de sonho de então) mas, mesmo assim, era um carro muito bom, tão bom como os Datsun 1200 e os Toyotas Corolla que povoavam então as nossas estradas.

Na altura, os percursores do actual tunning usavam os Minis 1275 GT, que submetiam a intervenções mecânicas exotéricas. Esses simpáticos carros eram, depois, dotados com uns pneus impressionantes que se esparramavam bem para fora dos guarda-lamas.

Uma vez, um 1275 GT destes meteu-se comigo na N 16, no troço Viseu – S. Pedro do Sul. Ele ultrapassou-me e imediatamente se pôs à minha frente, a andar a 20 à hora. A seguir, naturalmente, eu passei-o para tentar viajar a uma velocidade adequada. Foi então a vez dele me passar outra vez e ficar a caracolear-se à minha frente. Estas manobras repetiram-se por vários quilómetros.

Finalmente, na estrita obediência ao Código da Estrada, lá o passei a grande velocidade num sítio seleccionado, ganhei-lhe alguma distância graças ao trânsito e às curvas que conhecia muito bem, e escondi-me logo a seguir, fora da estrada. Segundos depois, a assobiar como um avião, passou o 1275 GT.

O condutor deve ter ficado impressionado com o potencial do meu Escort GT. Nunca mais me viu. Ele ficou frustrado e eu fiquei com uma história para contar. 

2. Na mesma estrada e na mesma altura, quem viesse de S. Pedro do Sul para Viseu, passada que era a passagem de nível de Abraveses e os seus solavancos no alcatrão, via do lado direito uma placa publicitária fascinante. Dizia ela: “Fazemos Antiguidades”.

“Fazemos Antiguidades” é publicidade honesta. Publicidade que não esconde nada na manga. Mensagens assim põem directamente em causa a ideia de John Lukacs de que a hipocrisia é o cimento da sociedade.

Tenho uma pena muito grande de não ter fotografado aquelas letras garrafais.

Agora, mais de 20 anos depois, no cruzamento para o Aeródromo de Viseu, na N2, há um outdoor castanho que anuncia, a letras brancas, uma Fábrica de Arte Antiga. Repito: Fábrica de Arte Antiga. Gosto desta transparência. Ninguém mais me apanha desprevenido em casos destes: já lá fui tirar cinco fotografias.









3. E agora uma pequena visita ao pequeno mundo da nossa intelectualidade:

Facto 1: Maria Filomena Mónica (MFM), no Público de 4 de Dezembro, numa recensão intitulada “O sociólogo-poeta Boaventura Sousa Santos”, criticou fortemente a poesia titilante daquele intelectual de Coimbra. Eu – confesso - gostei tanto da prosa de MFM que até guardei o recorte.

Facto 2: No dia 8 de Janeiro, surgiu no mesmo jornal um texto violento de resposta a MFM, assinado por 24 (!) intelectuais. Neste grupo entrevê-se o Bloco de Esquerda, adivinham-se vários dos seus companheiros de estrada e figuram também, imagino, alguns espontâneos. Eis três nomes mais conhecidos para se perceber do que estou a falar: Francisco Louçã, João Teixeira Lopes e Miguel Vale de Almeida.

Conclusão: quem se meter com intocáveis, leva. Eles respondem logo. Em alcateia. Às dúzias.

4. Acabar com a agonia do Governo de Pedro Santana Lopes foi uma obra de misericórdia que Jorge Sampaio fez, embora com quatro meses e treze dias de atraso.

O conselheiro de Belém e socialista influente, Correia de Campos, acha que: “(...) para os trabalhadores, prolongar Santana Lopes não teria sido mau, quanto pior melhor; para os patrões, quanto pior, pior, por isso activamente trabalharam para que o despautério cessasse.” [Público, 31 de Dezembro/2004]

Correia de Campos, com esta espécie de luta de classes ao contrário, não faz sentido nenhum. Já nem os patrões mais encardidos têm esta visão caricatural dos trabalhadores portugueses.

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