Contos de crianças *

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro



1. Vi, no Facebook de um amigo, um cartaz com quatro putos africanos de costas a olharam para a vastidão da savana. Diz um deles para o do lado:

«Sabias que os miúdos norte-americanos são obrigados a estar sentados numa sala de aula todo o dia? E se se mexem, ficam excitados ou fazem demasiado barulho, dão-lhes drogas para os manterem quietos? E que o maior exercício que fazem é jogos de vídeo e que a comida deles é cheia de químicos perigosos?»

«Isso é horrível! Devíamos fazer peditórios para eles!», responde o outro.

Este palavroso cartaz tem um olhar não muito comum sobre o nosso modo de vida, mas, como é produzido por uma organização de Vancouver, ele é ainda o ocidente a olhar para o ocidente, é uma “selfie”.

Umberto Eco tem um texto muito engraçado sobre a “transcultura”, uma “antropologia alternativa” que crie condições para que “os outros” estudem “os usos e os costumes do ocidente.” Dito curto e grosso: que ponha o ocidental no lugar do “indígena”.

Refere Eco, quando puseram “estudiosos africanos que nunca tinham estado no Ocidente a descrever a província francesa”, houve dois costumes que os deixaram muito surpreendidos: passearmos os cães pelas ruas e passearmos à beira-mar.

Foi com este trabalho, diz Eco, que a “observação recíproca começou verdadeiramente a funcionar.”

2. Como é sabido, a seguir à Grécia quem está debaixo dos holofotes dos mercados é Portugal.

Ora, o Syriza apostou tudo num dominó negativo que nos arrastasse com o sul da “Europa”. Esse dominó foi teorizado assim por Yanis Varoufakis, no seu blogue, em 11 de Dezembro: “Se isto também significar que, durante essas negociações, os juros da dívida pública de Portugal, Espanha e Itália sobem, tanto melhor.”

A este “se-eu-cair-cais-comigo”, ripostou Pedro Passos Coelho com um pedido aos gregos para se deixarem de “contos de crianças”.

Os juros gregos subiram, os portugueses não. Era, de facto, um “conto de crianças”.

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