Barro negro*

* Texto publicado hoje no Jornal do Centro


Algures na passagem do século XVIII para o século XIX, a revolução industrial lançou as bases do capitalismo. A mobilidade do capital venceu a imobilidade agrária, o lucro substituiu a renda.

Seguiu-se um progresso extraordinário: as cidades cresceram, a qualidade de vida das pessoas melhorou. O capitalismo foi sabendo adaptar-se, mudar de pele. A melhor de todas essas epidermes é a “social-democracia”, ou “estado social”, ou “New Deal”, ou... são várias as designações desta que é a maior máquina de felicidade inventada pelos humanos: um sistema com várias configurações institucionais que preserva as liberdades civis, deixa criar riqueza às empresas, ao mesmo tempo que dá uma rede de previdência às pessoas nas situações de fragilidade, seja ela doença, desemprego ou outra.

Acabada a segunda guerra mundial, foi o consenso “social-democrata” que reconstruiu a Europa. Como sempre, também a ele Portugal chegou atrasado: os primeiros alicerces do estado social devem-se a Marcelo Caetano e o edifício foi erguido depois do 25 de Abril.

Ora, desde Reagan e Thatcher, a “social-democracia” começou a ser erodida. Aquilo que é o “comum” — a água, o solo, o subsolo, as estradas, o vento, até a genética das plantas, ... — está a ser tomado pelo capitalismo financeiro, através de formas de propriedade cada vez mais imateriais e abstractas. Exemplifica-se: os financiadores da PPP da A25 não querem a auto-estrada para nada, querem é a renda de dois dígitos que o divino espírito santo lhes arranjou junto do poder político.

A partir da Inglaterra, o capital movido à velocidade das locomotivas a vapor substituiu a renda pelo lucro; agora o capital financeiro, que flui à velocidade da luz nos mercados hiperconectados, está a regressar outra vez às rendas — podem ser as rendas de uma escola, de um hospital, de um sistema de comunicação de polícias e bombeiros.
Fotografia daqui
Ou as controversas rendas do relvado sintético de Molelos, a simpática terra do barro negro.

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